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OPINIÃO: O homem massa

Recente greve/locaute dos caminhoneiros mostrou que as decisões políticas estão cada vez menos racionais e mais ligadas aos movimentos de massa. O movimento paredista teve apoio praticamente unânime sem que se questionassem os prejuízos dele decorrentes (que já estamos pagando). O descontentamento com o status quo vigente levou os próprios prejudicados pela greve a engrossar a fila de manifestantes (produtores rurais, varejistas etc.). O episódio traduz o que A Rebelião das Massas, livro do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), de 1929, previa: a violência ganharia contornos amedrontadores e o consumismo influenciaria toda a organização social e apontava para a homogeneidade, que se contrapunha à diversidade existente. Cunhou a expressão "homem-massa" como resultado desta homogeneidade, com as seguintes características:

1. Este homem não encontra mais nenhuma barreira social e aprende que todos os homens são legalmente iguais. A vida para o homem das épocas passadas era limitação, obrigações, dependência. Para o homem-massa é ilimitada; "Fustiga seus apetites que, em princípio, podem crescer indefinidamente (...) não se preocupa com nada além de seu bem-estar".

2. Não reconhece nenhuma instância fora dele, está satisfeito do jeito que é. "Ingenuamente, sem ser arrogante, como a coisa mais natural do mundo, tenderá a afirmar e qualificar como bom tudo o que tem em si: opiniões, apetites, preferências ou gostos". Está encantado consigo mesmo. O homem excelente possui uma intima necessidade de apelar para uma norma além dele, superior a ele, a cujo serviço se coloca espontaneamente, exige muito de si mesmo enquanto que o homem vulgar não exige nada.

3. As massas intervêm em tudo, e só o fazem violentamente. Julgam-se no direito de ter opiniões sobre os mais diversos assuntos, mas sem terem feito um esforço prévio para forjá-las. O homem-massa tem um grupo de ideias dentro de si, contenta-se com elas, considera-se intelectualmente completo. Não admite nada além desse repertório que formou. "Não é que o vulgo pense que é excepcional e não vulgar, mas sim que o vulgar proclama e impõe o direito da vulgaridade, ou a vulgaridade como um direito". Surge novo tipo de homem, o que não quer dar nem ter razão, mas quer impor opiniões, é o direito a não ter razão. Possui ideias, mas é incapaz de formá-las. A forma de atuar é a ação direta, inverte a ordem e proclama a violência com a primeira razão. Não deseja a convivência com o que não é como ela. "Odeia mortalmente o que não é ela".

4. Vive num mundo de extraordinário avanço científico e tecnológico, no entanto cada vez o homem se interessa menos pela ciência. "O mundo é civilizado, mas seu habitante não o é: nem sequer vê a civilização nele, mas a utiliza como se fosse à natureza".

5. "O homem-massa acha que a civilização em que nasceu e que usa é tão espontânea como a Natureza (...). Os valores fundamentais da cultura não o interessam, não são sensíveis a eles, não está disposto a colocar-se a seu serviço". O mundo se tornou mais difícil e complexo e cada vez é menor o número de pessoas à altura desses problemas. Há cabeças capazes, mas o homem-massa não quer pô-las sobre os ombros. Um das coisas notáveis é que as pessoas "cultas" de hoje terem ignorância histórica incrível, ao mesmo tempo em que a história avançou com ciência, perdeu-se como cultura.

6. O homem vulgar é definido como aquele não impõe sobre si próprio nenhum esforço voltado à busca da perfeição, pois já se sente satisfeito, sendo ainda altamente suscetível à despersonalização e à aderência à onda do momento e ao grupo dos 'homens-massa'. O homem excelente, ao contrário, impõe enorme demandas a si próprio, incluindo tarefas difíceis e árduas responsabilidades. Os movimentos de massa do início do século 20 criou uma peculiar conjuntura social na qual a proporção de homens excelentes diminuía à medida que a proporção de homens vulgares aumentava. A estrutura psicológica do homem-massa é de "que a vida para ele se apresenta com uma impressão radical que é fácil; abastada sem limitações, isto é, cada indivíduo médio repousa numa sensação de domínio e triunfo. Comporta-se como 'criança mimada', que pode se comportar em qualquer lugar como em sua casa. É o que chamou de "mocinho satisfeito".

O homem massa não é somente o bruto, mas também pode estar entre a elite, mesmo a elite intelectual (são aqueles que vivem para seus desejos, requerem direitos e se eximem de obrigações). "O homem massa atribui valor a si mesmo, entende-se como pronto e evoluído, não aspira mudar, deseja ser como todo o mundo". Para Gasset, "a característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõe em toda parte". Hoje, 88 anos depois, é homem-massa que dita as regras. Vivemos, pois, a época da vulgaridade.

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